segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Sobre a análise do Banco de Portugal às empresas dos setores da madeira, da cortiça e do papel

O Banco de Portugal publicou no passado mês de janeiro um estudo sobre empresas a operar nas atividades de silvicultura, nas indústrias da madeira e mobiliário, da cortiça e do papel. A mesmo tem por base a recolha e tratamento de dados da Informação Empresarial Simplificada (IES), referente ao exercício económico de 2014, e de informação complementar relativa ao financiamento das empresas. O estudo do Banco de Portugal, no que à Silvicultura respeita, apresenta diversas debilidades.

Assim, no que à atividade silvícola respeita, o estudo do Banco de Portugal é limitado aos sujeitos passivos de IRC ou de IRS que, por obrigação legal ou por opção, dispõem de contabilidade organizada. De fora, ficam um número muito significativo de proprietários rústicos com atividade silvícola, mas que não dispõem de contabilidade organizada. Estes são mais representativos nas regiões litorais do Norte e do Centro, e no Algarve, onde domina o minifúndio e tem prevalência a produção lenhosa.

No estudo, é referido que o segmento da Silvicultura engloba as empresas da Divisão 02 da CAE-Ver.3, não identificando, contudo, se a análise se restringiu apenas à CAE principal, ou se englobou ainda CAE secundários. Importa ter em conta que muitas sociedades agrícolas enquadram a sua atividade principal na Divisão 01, muito embora desenvolvam atividade silvícola, possuindo CAE secundário na Divisão 02. O seu impacto é relevante em regiões onde dominam as propriedades de média e grande dimensão, estando associadas, exclusiva ou em simultâneo, à atividade suberícola e à produção lenhosa.

Ao não desagregar a Divisão 02 nos Grupos que a constituem, o estudo do Banco de Portugal analisa em igualdade as empresas com atividade produtiva, incluindo as que integram grandes grupos industriais (p.e., a Portucel Florestal e a Altri Florestal), com outras que, não tendo a posse ou sejam gestoras de superfícies florestais, são a estas prestadoras de serviços silvícolas e de exploração florestal, incluindo os viveiros florestais (p.e., a Viveiros Aliança). Faria talvez sentido que, na Silvicultura, fossem envolvidas apenas as empresas com CAE principal e secundário no Grupo 021.

Apesar das fragilidades apontadas, no segmento da Silvicultura (no total da Divisão 02 da CAE-Ver.#), fica evidente o impacto das microempresas, seja quanto ao número de empresas, seja no volume de negócios, ou no número de pessoas ao serviço. De destacar também o facto de, na Silvicultura, as empresas com menos de 20 anos representarem cerca de 80% do volume de negócios, em contrate com o registado na indústria. Os apoios públicos enquadrados na Política Agrícola Comum (PAC) podem servir para parte da explicação. Este segmento regista ainda o menor nível de concentração, em contraste com a indústria papeleira. Este facto tem aliás merecido forte preocupação da Acréscimo, designadamente sobre o seu impacto no funcionamento dos mercados de material lenhoso e suberícola.


Embora com um universo limitado e com necessidade de ajustes na recolha dos dados relativos à atividade silvícola, a análise do Banco de Portugal, no que respeita ao peso do sector nas exportações, ao qual foi dado recentemente maior ênfase pública, parece revelador de motivos de entusiasmo. Todavia, esse entusiasmo resulta apenas de ilusão. As exportações de base florestal portuguesas não são sustentáveis.

Importa  relacionar os resultados deste estudo com as mais recentes estatísticas de Agricultura, Florestas e Pescas, publicadas pelo Eurostat, e com o relatório de Portugal para o “Global Forest Resources Assessment 2015”, publicado no final de 2015 pela FAO. Nestes, fica evidente que Portugal é o país europeu com a mais grave situação de desflorestação. Este facto limitará proximamente o desempenho da indústria no acesso a destinos internacionais mais exigentes quanto às preocupações ambientais.

Mais, é ainda obrigatório adicionar, para uma análise que tem de ser global, os mais recentes dados apresentados pela Prodata em matéria de riscos associados ao investimento florestal. As alterações climáticas irão potenciar estes riscos.

Em Portugal, mesmo com um elevado acréscimo das importações de matérias primas, o desempenho da indústria e o peso do sector nas exportações estará sempre dependente do rendimento na floresta privada portuguesa (98,4% da área florestal nacional). Este está hoje fortemente condicionado por mercados que funcionam, politicamente protegidos, em concorrência imperfeita.

Deseja-se assim que o Banco de Portugal, se e quando pretender efetuar estudos neste domínio, corrija as debilidades de exercícios anteriores, as quais podem servir para alimentar sensações de mera ilusão.


quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Conselhos e florestas

O Governo promoveu hoje, 10 de fevereiro, por iniciativa do Secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural, uma reunião do Conselho Florestal Nacional (CFN), um órgão de consulta definido ao nível do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF, IP), estabelecido pelo Decreto-lei n.º 29/2015, de 10 de fevereiro, e que integra cerca de 50 conselheiros. O acontecimento e o enquadramento de valorização deste órgão de consulta levantam várias questões, alias em tempo formuladas pela Acréscimo.

Causa estranheza o facto do Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural (MAFDR) não reunir o Conselho Consultivo Florestal (CCF), órgão de consulta do Ministro, conforme o disposto na Lei de Bases daPolítica Florestal. Ao invés, parece ter optado por um órgão de consulta ao nível de um instituto público, enquadrado por um mero decreto-lei, ainda mais com um painel de cerca de cinco dezenas conselheiros?

Não será este um caso de violação grosseira ao disposto nos Arts. 14.º e 15.º da Lei n.º 33/96, de 17 de agosto, aprovada por unanimidade pela Assembleia da República?

Tendo em conta o envolvimento direto que o atual Secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural teve e bem na elaboração da Lei de Bases, na altura como Subdiretor Geral das Florestas, esperava-se agora que fossem ajustadas as arbitrariedades do passado recente.

Afinal, que tipo de consulta pode a equipa ministerial esperar de um órgão de um instituto público sob sua tutela e com cerca de 50 conselheiros? Faz sentido o ICNF dispor de um órgão de consulta, em matéria de política florestal, quando a Lei de Bases define um órgão próprio para esse efeito?

Dispondo o Ministério de um enquadramento legal superior, definido ao nível Parlamento para o Conselho Consultivo Florestal, estranha-se o motivo que leva o Governo a optar por uma variante, definida por decreto governamental para um instituto sob tutela?